segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

História do Afoxé Filhos de Gandhy - parte 4

Após o desastroso carnaval de 1999, a Secretaria de Segurança Pública pediu esclarecimentos ao bloco e exigiu mudanças para o ano seguinte. Não se admitiria um número tão grande de associados na rua. Além disso, o bloco deveria respeitar os horários do desfile, o que nunca acontecia.

Na tentativa de combater a “pirataria” de fantasias, a emenda saiu pior que o soneto: o bloco resolveu “inovar” numerando as fantasias. Cada fantasia teria impresso o numero de série do carnê de cada associado. Não deu certo: os primeiros lotes de fantasias foram entregues sem problemas, mas alguns lotes “sumiram”, o que atrasou a entrega das fantasias restantes. Como resultado, tumulto e “mediação” da polícia militar que foi chamada ao local (antigo Estádio da Fonte Nova) para acalmar os ânimos. No final, o bloco teve que ceder e distribuiu as fantasias sem considerar a numeração.

O desfile desse ano (2000) foi muito mais tranqüilo e aqueles que estavam acostumados com os tradicionais atrasos, foram pegos de surpresa. Muitos associados ainda nem haviam chegado ao Pelourinho quando o Afoxé já ganhava a Rua Carlos Gomes. O bloco iniciou o desfile religiosamente às 15 horas - antes das 19 horas, o bloco já desfilava na passarela principal do Campo Grande.

Nos anos seguintes, o bloco se modifica em relação a composição dos seus associados. O espaço na mídia conquistado desde o cinqüentenário fez aumentar a procura por parte de turistas brasileiros, estrangeiros e baianos acostumados a sair em blocos de trio. Como o preço do carnê era acessível, se comparado com os “abadás”, era possível sair em um bloco de trio e desfilar no Gandhy.

O trauma de 1999 afastou muitos associados antigos do bloco. Integrantes com mais de uma década de desfiles pelo Gandhy simplesmente abandonaram aos poucos o carnaval. Rostos conhecidos que no ano seguinte não apareciam. Nem todos se adaptaram ao que a nova diretoria chamava de “novos tempos”. Um número cada vez maior de jovens, em sua maioria branca, de classe média passou a freqüentar o bloco, com o objetivo de utilizar a “mística” do Gandhy para “conquistar” as meninas no carnaval.

Um colega que acompanhava o desfile, comentou que a cada ano que passava o “tapete branco da paz ficava cada vez mais branco”. Surgiam piadas de que a diretoria com o novo patrocinador (uma marca de sabão em pó) pretendia deixar o bloco “mais branco”. Ou de que o novo slogan do Gandhy seria “O tapete ariano da paz”. Apesar de serem brincadeiras, ficava claro que em um espaço muito curto de tempo, o bloco perdia a sua identidade. E o público que acompanha o carnaval percebia isso.

É certo (ou não) que entre esses novos associados, alguns se identificavam genuinamente com a filosofia e as tradições do bloco e tambem tínhamos por outro lado, os que se comportam como se estivessem nas “Muquiranas”. Ao contrário do que acontecia com o Ilê Aye, nunca houve no Gandhy uma restrição formal, pela saída de não-negros. Mas estes só tomaram o bloco “de assalto”, ou melhor, só passaram a freqüentar o bloco em massa, depois transformação dos Filhos de Gandhy em produto de fácil consumo Hoje, quando se fala em "sair no Gandhy" associa-se imediatamente à idéia de "pegar mulher" ou trocar colares por beijos Os ideais sobre os quais se fundamentou o sugimento do bloco, não fazem parte da "agenda".

No ano de 2006, um novo golpe nos associados da “velha guarda” do Gandhy: na tentativa de estancar o “derrame” de fantasias falsas, a diretoria do bloco resolve mexer um com dos maiores símbolos do bloco. No carnaval de 2006 os Filhos de Gandhy desfilaram com um turbante azul marinho.

Foi demais para os velhos associados. Muitos que já haviam pagado pela fantasia, se recusaram a desfilar. Alguns vestiram a fantasia, mas preferiram acompanhar o bloco fora das cordas, sem o turbante na cabeça. Até mesmo Gilberto Gil, ligado à diretoria criticou a descaracterização do bloco A revolta foi geral, mas ficava claro o posicionamento da diretoria em relação às antigas tradições. O ponto alto do desfile desse ano foi o “encontro” do bloco com o Camaleão, mas essa estória, conto em outro momento.

Admito que para os associados mais ligados à tradição dos Filhos do Gandhy, é difícil conviver com o clima de “descompromisso” que tomou conta do bloco. Boa parte dos novos foliões desconhece a história do bloco. Não conseguem entender a importância do bloco e nem percebem que por trás daquela indumentária existem 60 anos de história.

Vejo com tristeza os “playboyzinhos” malhados que rasgam a fantasia para deixar o peito e os braços expostos, imitando o He-Man. Ou os que inventam combinação de cores esdrúxulas para os colares só para agradar as meninas. Tem ainda os que vestem abadás de outros blocos por cima da fantasia para poder transitar entre um bloco e outro.

Tenho uma lembrança de minha adolescência pulando carnaval na Avenida Sete e presenciei uma mulher muito bonita implorar por um colar de um Filho de Gandhy. O cara nem se dignou a olhar pra cara dela. Eu fiquei impressionado com a “onda” que ele tirou. Hoje vejo os caras tentando agarrar as meninas à força ou sendo desrespeitosos quando são “descartados”.

Às vezes passo com meus amigos pela rua e percebo que muitas pessoas se afastam porque acham que todo Gandhy é um arruaceiro em potencial. É chato, mas compreendo ser reação ao comportamento de um grupo que já foi minoria no bloco, mas que hoje é cada vez mais numeroso.

Parece paradoxal, mas mesmo com todos esses problemas, ainda é muito bom sair no Gandhy. É uma oportunidade de estar com irmãos e amigos que só se encontram naquele momento. É escutar o ijexá no lugar de “chore na minha”, “foge, foge superman” ou “gú-gú dá-dá”. É a chance de curtir um momento de paz em um mundo onde a violência virou prato principal. É a possibilidade de brincar um outro carnaval.

(Nos próximos posts, tudo sobre a fantasia, as músicas, o desfile e outras curiosidades que envolvem o unverso dos Filhos de Gandhy)


História do Afoxé Filhos de Gandhy - parte 3

Presença fundamental nas festas de largo da Bahia, é no Carnaval que se impõe a mística do afoxé. No passado, seus integrantes percorriam em fila indiana, vários pontos da cidade até o Terreiro do Gantois, onde homenageavam Mãe Menininha. Hoje o bloco está completamente inserido no esquema da indústria do carnaval da Bahia.

O Gandhy surgiu com uma proposta: botar o bloco na rua e levar os estivadores a participar novamente do carnaval de Salvador. A estrutura do bloco era simples: um grupo de homens vestidos de branco tocando instrumentos de sopro e percussão. Em 1951, foram sendo introduzidas as alegorias que representam os sentimentos de Gandhi: a cabra (símbolo da vida) e o camelo (símbolo da resistência). No ano seguinte, o bloco foi transformado em afoxé, por terem sido introduzidas ritmos afros e o candomblé como orientação religiosa. No quarto ano de fundação, foram inseridos entre outros elementos, os porta-estandartes, com a função de fiscalizar e assegurar a ordem dentre do bloco. Foi também incorporado ao cortejo o elefante (símbolo da força) e o camelo maior.

Na década de 1970 o bloco passou por seu momento mais difícil. Em 1974 o Afoxé Filhos de Gandhy fechou por problemas administrativos e financeiros na presidência de Alberto Anastácio da Cruz. O bloco foi despejado de sua sede e todas as suas alegorias foram jogadas na rua. Durante dois anos (74 e 75) o bloco não desfilou no carnaval de Salvador.

Devido a várias campanhas de incentivo de radialistas, principalmente de Gérson Macedo (Rádio Excelsior), o bloco voltou a desfilar, sob o patrocínio de alguns dos seus participantes. Sob a presidência de Camafeu de Oxossi e com o apoio de artistas baianos, dentre eles Gilberto Gil, o afoxé retornou às ruas no ano de 1976 desfilando com cerca de 80 homens.

O número de participantes foi crescendo consideravelmente, chegando a cerca de 1.000 associados em 1978, devido à entrada de não-estivadores no bloco. O que hoje chamamos de gestão, não existia no bloco. Lembro que em minha infância acompanhava a cobertura do carnaval na TV e uma notícia era tradicional: sábado de carnaval, tumulto na sede do Gandhy na entrega das fantasias. Toda às vezes era necessária a intervenção da polícia dando tiros pra cima para acabar com a confusão.

Apesar de toda beleza e tradição, o Gandhy nunca havia sido um bloco de prestigio. Era apenas um entre outros afoxés e era tão discriminado quanto os blocos afros e de índio. Para a mídia, esses blocos eram praticamente invisíveis. Em sua composição gente negra e de origem humilde era absoluta maioria. No início dos anos de 1990 o número de associados do bloco chegava a pouco mais de 2 mil

De todas as transformações por que passou, a mais radical aconteceu em 1999, o ano do fatídico cinqüentenário do bloco. Em função do marco histórico dos 50 anos, choveram patrocínios que garantiriam por si só a saída do bloco às ruas com toda a sua estrutura de trio, carro de apoio e alegorias. Fora isso, um grande número de fantasias foi vendido.

O carnaval de 1999 coincidiu com uma das mais disputadas eleições para a presidência da agremiação. Entre acusações de estelionato e malversação de recursos de parte a parte, venceu a chapa formada por Agnaldo Silva e Gilberto Gil. Junto com a eleição vieram algumas mudanças: Tradicionalmente apenas o domingo e a terça-feira eram reservados para a passagem da agremiação.

Em 1999 a segunda-feira foi incluída no desfile. A idéia original era levar a batida do Gandhy para a Liberdade, o bairro de maior densidade populacional e negra de Salvador, mas a agremiação acabou incluída no circuito da Barra. "Resolveram desfilar para turistas", protestou o jornalista, biografo e membro do afoxé, o jornalista Anísio Félix. O circuito Barra/Ondina ainta é motivo de resistência de muitos associados, que se recusam desfilar por lá na segunda-feira de carnaval.



Antigamente para se associar ao bloco, era necessário alem dos documentos pessoais, um atestado de antecedentes criminais e a indicação por um sócio antigo do bloco, que ficaria também responsável pelo seu comportamento no desfile. Em 1999, todas essas “formalidades” foram dispensadas.

Além das fantasias vendidas oficialmente na sede do bloco, um número impressionante de fantasias “clandestinas” infestou o “mercado”. O resultado não podia ser pior: Cerca de 15 mil homens foram as ruas aquele ano, fantasiados de Filhos de Gandhy. É difícil descrever, mas não havia espaço dentro do bloco, não se conseguia enxergar, muito menos ouvir o trio. A ponta do bloco alcançava o meio da Avenida Carlos Gomes e a outra extremidade ainda nem havia saído da Rua Chile. No prédio de Sulacap uma bifurcação: o bloco seguia o circuito oficial em direção a Avenida Carlos Gomes e parte dos integrantes criou um circuito alternativo subindo a Avenida Sete, na contramão, apesar dos gritos inúteis de diretores ao microfone implorando que se mantivesse a "unidade" do bloco.

No domingo, o atraso no desfile gerou um congestionamento de blocos de trio que tiveram que esperar o Gandhy terminar de passar. Era o último ano de Ivete Sangalo puxando o Bloco Eva, que chegou com mais de sete horas de atraso ao campo grande: os foliões agradeceram, Ivete não. Na terça-feira, os blocos de trio retaliaram: “colaram” as cordas formando uma espécie de “fila indiana” de blocos e não deram espaço ao Gandhy. O bloco só chegou ao Campo Grande, depois da meia-noite.

Quebra do trio, péssimo funcionamento do som, integrantes do bloco envolvidos em brigas, agarrando mulheres à força, sendo levados pela polícia, vendendo ou trocando os itens tradicionais da fantasia, por latas de cerveja e refrigerante. O carnaval de 1999 para o Afoxé Filhos de Gandhy foi um pesadelo. Depois daquele carnaval, as coisas jamais seriam as mesmas.

(no próximo post a quarta e ultima parte (ufa!) da história dos Filhos de Gandhy)

Fontes

http://pt.wikipedia.org/wiki/Filhos_de_Gandhy

http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u506039.shtml

http://www.filhosdegandhy.com.br/temadocarnaval2010.pdf

http://carnaval2006.terra.com.br/interna/0,,OI895467-EI6246,00.html

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

História do Afoxé Filhos de Gandhy - parte 2


No dia 18 de fevereiro de 1949 os estivadores do porto de Salvador, estavam sentados ao pé de uma mangueira perto da sede da entidade (Sindicato dos Estivadores), preocupados com a falta de trabalho nos portos e a política de arrocho salarial, gerada pela crise do pós-guerra. A idéia original de botar um "careta" na rua, partiu de Durval Marques da Silva(Vavá Madeira), tido como o maior festeiro da turma. A sugestão foi acatada.

Como o dinheiro era pouco pela escassez de navios no porto, os estivadores fizeram uma "vaquinha" para a compra de barris de mate, lençóis e couro para fazer os tamborins. Era uma quinta-feira. O cordão estava formado, faltando apenas o nome que levaria. Coube novamente a Vavá Madeira, a iniciativa de encontrar o nome. Após uma breve explicação sobre Mahatma Gandhy, ficou decidido que ali nascia o "Filhos de Gandhy".

Ao tomar conhecimento de que os estivadores iam sair no carnaval com um cordão chamado de Gandhy, a junta governativa do sindicato chamou os responsáveis para uma preleção, alertando que "tudo que saía da estiva, era visto pelas autoridades como coisa de comunista". Para evitar represálias, o fundador Almir Fia lho deu a idéia para mudar a grafia do nome Gandi, inserindo as letras “dh” e trocou o “i” por “y”, ficando Gandhy


Aloísio Gomes dos Santos (Aloísio Gaiolão) procurou então o advogado Edgar Mata, chefe da equipe jurídica do sindicato, relatando o ocorrido. Mata colocou a sua equipe de sobreaviso durante o carnaval para o caso de alguma prisão. Outros estivadores preferiram seguir os companheiros de perto, não só temendo a intervenção policial, como também para dar cobertura.

No primeiro dia, saíram apenas 36 participantes apesar de ter mais de 100 inscritos. Ninguém podia imaginar o que a polícia iria fazer, pois o sindicato estava sob intervenção governamental. Mas sangue mesmo, somente dos pés dos participantes. A fantasia foi um lençol branco torso de toalha felpuda. Nos pés, um tamanco de couro cru, chamado "Malandrinha", que os castigou sem pena. A saída foi do pé da velha mangueira. A primeira caminhada foi até a Igreja de Santa Luzia.


Conforme ficou determinado, mulher não podia entrar e era terminantemente proibido o uso de bebidas alcoólicas. A explicação para as proibições era de que onde havia bebida e mulher, haveria obrigatoriamente briga e o lema do cordão era a paz. Em tese, bastava proibir um dos dois “elementos” (ou a bebida ou a mulher).

Em relação à cachaça, não teve jeito: rolou às escondidas já no primeiro Carnaval. No caso das mulheres a “justificativa” mais provável para a proibição, era o número de namoradas e amantes que alguns integrantes do bloco mantinham . Caso fosse permitida sua presença, esposas e “namoradas” disputariam a prioridade para desfilar dentro das cordas do bloco. Em outras palavras: confusão na certa. Para salvar a pele dos namoradores, mulheres somente fora das cordas.

Apesar da exclusão, as mulheres estiveram presentes nas primeiras horas de fundação. Foram as meninas do baixo meretrício do Julião, próximo ao ponto onde o grupo se reunia, que emprestaram boa parte dos lençóis. E foram elas que aplaudiram os primeiros passos da trupe.

Desde sua fundação, Afoxé Filhos de Gandhy, passou por uma série de transformações. Incorporou uma série de elementos ao seu desfile e aumentou de tamanho. A idéia de expansão, aparentemente fora de controle, não agrada a todos porque apesar de ter sido fundado por estivadores, a partir de 1951, o bloco passou a admitir trabalhadores de outras classes. E hoje, praticamente eles formam a minoria.

O Filhos de Gandhy, nos primeiros anos, saiu cantando marchinhas até se dedicar especialmente ao ijexá, (inclusive compondo suas próprias canções). Enfrentou problemas nos anos de 1974 e 1975, quando não desfilou no carnaval, após 25 anos de desfile ininterruptos.

Somente nesses dois anos de sua história ele deixou de desfilar. Mas logo os velhos fundadores e associados antigos, inconformados, resolveram investir do próprio bolso e com alguma ajuda e muito esforço eles conseguiram reorganizar o afoxé.

(em breve, a terceira parte da história dos Filhos de Gandhy)

Fontes

http://www.filhosdegandhy.com.br/historico.html

http://www.filhosdegandhy.com.br/temadocarnaval2010.pdf

http://epoca.globo.com/edic/19990208/cult3.htm

"Filhos de Gandhi - A história de um afoxé", sem editora: Salvador 1987. Anísio Félix

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

História do Afoxé Filhos de Gandhy - parte 1


O Porto de Salvador era o responsável pelo fluxo de mercadorias chegadas de todos os pontos do Brasil e da Europa. Os estivadores antes da guerra eram vistos como operários privilegiados e tinham orgulho e vaidade disso porque em comparação às outras categorias ganhavam relativamente bem e não tinham patrões. O seu trabalho era controlado pelo próprio sindicato sem a ingerência patronal. Bastava ameaçar uma paralisação, para ter suas reivindicações atendidas.

Durante a Segunda Grande Guerra, na Bahia como em outros Estados, foram os estivadores que iniciaram os protestos contra o nazi-facismo, se recusando a trabalhar com os navios da Espanha de Franco, sendo os primeiros a saírem em passeata da "Parede", das proximidades do Instituto de Cacau para a Igreja da Conceição da Praia, portando, bandeiras das nações aliadas, inclusive da União Soviética, proibidas no Brasil.

Logo após a vitória dos aliados, vários líderes comunistas, dentre outros Giocondo Dias, Vale Cabral, Jacob Gorender, Mário Alves e João da Costa Falcão, procuraram os estivadores por causa da sua participação ativa na luta contra o fascismo. Com a legalização dos partidos que se encontravam na clandestinidade, houve uma grande filiação dos estivadores no Partido Comunista. Nas eleições que vieram a seguir, foi eleito deputado estadual, o estivador Jaime Maciel.

Assim, criou-se contra a estiva uma espécie de reação, o que não intimidou a categoria. No governo Dutra, a reação determinou a intervenção nos sindicatos e o da estiva foi um dos mais perseguidos, chegando a junta interventora a instaurar inquérito para eliminar os mais atuantes, a exemplo de João Cardoso de Souza.

Antes da segunda Guerra Mundial, os estivadores sempre participaram ativamente das festas populares da Bahia. Eles fundaram o Terno de Reis "Robalo" e se faziam presentes, sobretudo nos festejos da Lapinha e do Bonfim. Posteriormente fundaram o "Comendo Coentro" para o carnaval. Era um bloco com instrumentos de sopro que saía num caminhão alugado. Os relatos da época, dão conta de que os estivadores, em sua quase totalidade, só vestiam roupas dos mais caros linhos importados e usavam chapéus "Panamá".

Seus sapatos eram "Scatamachia" (fábrica já extinta), feitos a mão. Nas festas, chegavam, alugavam barracas de bebidas e comidas só para eles. Chegavam em caravanas de "carros de praça" - táxis. Segundo o jornalista Anísio Félix "Bem poucos tinham mais de uma amante" (controvérsia sobre qual falaremos posteriormente).

Já em 1949, o pessoal da estiva passava por uma péssima fase. O governo federal anunciou uma economia de pós-guerra, estando o sindicato sob intervenção. O clima era de terror mantido pela Capitania dos Portos. Um punhado de estivadores, sentados sob uma velha mangueira, bebiam e discutiam coisas do dia-a-dia nas proximidades do sindicato, na Rua do Julião, onde havia residências familiares, casas comerciais e bordéis. Era quinta-feira do carnaval, os homens lamentavam a situação do Brasil e de cada um. Deus então descansou...

... E os estivadores criaram Os Filhos de Gandhy

(em breve a segunda parte da história dos Filhos de Gandhy)


Fontes

Texto livremente adaptado do livro "Filhos de Gandhi - A história de um afoxé", 1987, Anísio Félix

domingo, 2 de janeiro de 2011

Ajayô

Nas próximas semanas estarei postando aqui, alguns textos falando sobre uma de minhas maiores paixões: o bloco do Afoxé Filhos de Gandhy.

O Afoxé Filhos de Gandhy, fundado por estivadores portuários da cidade no dia 18 de fevereiro de 1949, tornou-se o maior e o mais belo Afoxé do carnaval da Bahia. Constituído exclusivamente por homens e inspirado nos princípios de não-violência e paz de Mahatma Gandhi, o bloco traz a tradição da religião africana ritmada pelo agogô nos seus cânticos de Ijexá na língua Iorubá.

Nos posts, vou falar um pouco sobre a história do bloco, e descrever passo a passo o ritual que, juntamente com alguns amigos/irmãos, venho repetindo ao longo dos últimos quatorze anos. Ritual que começa com a aquisição do carnê na sede do bloco e termina com os primeiros raios da manhã da quarta-feira de cinzas.

Aproveito desde já, para dar as boas-vindas aos novos e aos velhos Filhos de Gandhy. Espero que os textos sirvam de incentivo para aqueles pretendem juntar-se a nós em 2011.

Adianto que o Gandhy que vemos hoje, não tem nem de perto o mesmo charme e tradição de alguns anos atrás, mas ainda assim, é lindo de se ver passar.


Não será uma missão simples (os velhos Gandhy o que o digam). Muitas serão aquelas que não medirão esforços para nos desviar do nosso compromisso maior: Esposas, noivas, namoradas, ficantes, peguetes e até marmitas vão chorar, espernear, ameaçar suicídios, homicídios, genocídios...

Não se deixem impressionar!!!

Planos sórdidos, surtos histéricos, golpes baixos, chantagens emocionais e sexuais, ameaças sujas e estratégias sub-reptícias – Elas utilizarão todo o repertório a seu alcance, todo arsenal à disposição para chamar a atenção e desviá-los do objetivo maior.

SAIR NO GANDHY, NÃO É PARA FRACOS!!!

Mas como ninguém fica forte da noite para o dia, esse blog será o ponto de partida para dividirmos experiências, tirar todas as dúvidas, unificar o nosso discurso, fortalecer a luta enfim, construirmos a uma base de argumentação sólida para ratificar o nosso compromisso com a PAZ, no carnaval de Salvador.

Teremos muito trabalho para que nenhum guerreiro fique pelo caminho. Portanto não se intimidem em pedir ajuda aos mais experientes.

Todos nós passamos (e ainda passaremos) por momentos difíceis. Esse espaço é nosso!!!

Abraços,

Leo