O Gandhy surgiu com uma proposta: botar o bloco na rua e levar os estivadores a participar novamente do carnaval de Salvador. A estrutura do bloco era simples: um grupo de homens vestidos de branco tocando instrumentos de sopro e percussão. Em 1951, foram sendo introduzidas as alegorias que representam os sentimentos de Gandhi: a cabra (símbolo da vida) e o camelo (símbolo da resistência). No ano seguinte, o bloco foi transformado em afoxé, por terem sido introduzidas ritmos afros e o candomblé como orientação religiosa. No quarto ano de fundação, foram inseridos entre outros elementos, os porta-estandartes, com a função de fiscalizar e assegurar a ordem dentre do bloco. Foi também incorporado ao cortejo o elefante (símbolo da força) e o camelo maior.
Na década de 1970 o bloco passou por seu momento mais difícil. Em 1974 o Afoxé Filhos de Gandhy fechou por problemas administrativos e financeiros na presidência de Alberto Anastácio da Cruz. O bloco foi despejado de sua sede e todas as suas alegorias foram jogadas na rua. Durante dois anos (74 e 75) o bloco não desfilou no carnaval de Salvador.
Devido a várias campanhas de incentivo de radialistas, principalmente de Gérson Macedo (Rádio Excelsior), o bloco voltou a desfilar, sob o patrocínio de alguns dos seus participantes. Sob a presidência de Camafeu de Oxossi e com o apoio de artistas baianos, dentre eles Gilberto Gil, o afoxé retornou às ruas no ano de 1976 desfilando com cerca de 80 homens.
O número de participantes foi crescendo consideravelmente, chegando a cerca de 1.000 associados em 1978, devido à entrada de não-estivadores no bloco. O que hoje chamamos de gestão, não existia no bloco. Lembro que em minha infância acompanhava a cobertura do carnaval na TV e uma notícia era tradicional: sábado de carnaval, tumulto na sede do Gandhy na entrega das fantasias. Toda às vezes era necessária a intervenção da polícia dando tiros pra cima para acabar com a confusão.
Apesar de toda beleza e tradição, o Gandhy nunca havia sido um bloco de prestigio. Era apenas um entre outros afoxés e era tão discriminado quanto os blocos afros e de índio. Para a mídia, esses blocos eram praticamente invisíveis. Em sua composição gente negra e de origem humilde era absoluta maioria. No início dos anos de 1990 o número de associados do bloco chegava a pouco mais de 2 mil
De todas as transformações por que passou, a mais radical aconteceu em 1999, o ano do fatídico cinqüentenário do bloco. Em função do marco histórico dos 50 anos, choveram patrocínios que garantiriam por si só a saída do bloco às ruas com toda a sua estrutura de trio, carro de apoio e alegorias. Fora isso, um grande número de fantasias foi vendido.
O carnaval de 1999 coincidiu com uma das mais disputadas eleições para a presidência da agremiação. Entre acusações de estelionato e malversação de recursos de parte a parte, venceu a chapa formada por Agnaldo Silva e Gilberto Gil. Junto com a eleição vieram algumas mudanças: Tradicionalmente apenas o domingo e a terça-feira eram reservados para a passagem da agremiação.
Em 1999 a segunda-feira foi incluída no desfile. A idéia original era levar a batida do Gandhy para a Liberdade, o bairro de maior densidade populacional e negra de Salvador, mas a agremiação acabou incluída no circuito da Barra. "Resolveram desfilar para turistas", protestou o jornalista, biografo e membro do afoxé, o jornalista Anísio Félix. O circuito Barra/Ondina ainta é motivo de resistência de muitos associados, que se recusam desfilar por lá na segunda-feira de carnaval.
Antigamente para se associar ao bloco, era necessário alem dos documentos pessoais, um atestado de antecedentes criminais e a indicação por um sócio antigo do bloco, que ficaria também responsável pelo seu comportamento no desfile. Em 1999, todas essas “formalidades” foram dispensadas.
Além das fantasias vendidas oficialmente na sede do bloco, um número impressionante de fantasias “clandestinas” infestou o “mercado”. O resultado não podia ser pior: Cerca de 15 mil homens foram as ruas aquele ano, fantasiados de Filhos de Gandhy. É difícil descrever, mas não havia espaço dentro do bloco, não se conseguia enxergar, muito menos ouvir o trio. A ponta do bloco alcançava o meio da Avenida Carlos Gomes e a outra extremidade ainda nem havia saído da Rua Chile. No prédio de Sulacap uma bifurcação: o bloco seguia o circuito oficial em direção a Avenida Carlos Gomes e parte dos integrantes criou um circuito alternativo subindo a Avenida Sete, na contramão, apesar dos gritos inúteis de diretores ao microfone implorando que se mantivesse a "unidade" do bloco.
No domingo, o atraso no desfile gerou um congestionamento de blocos de trio que tiveram que esperar o Gandhy terminar de passar. Era o último ano de Ivete Sangalo puxando o Bloco Eva, que chegou com mais de sete horas de atraso ao campo grande: os foliões agradeceram, Ivete não. Na terça-feira, os blocos de trio retaliaram: “colaram” as cordas formando uma espécie de “fila indiana” de blocos e não deram espaço ao Gandhy. O bloco só chegou ao Campo Grande, depois da meia-noite.
Quebra do trio, péssimo funcionamento do som, integrantes do bloco envolvidos em brigas, agarrando mulheres à força, sendo levados pela polícia, vendendo ou trocando os itens tradicionais da fantasia, por latas de cerveja e refrigerante. O carnaval de 1999 para o Afoxé Filhos de Gandhy foi um pesadelo. Depois daquele carnaval, as coisas jamais seriam as mesmas.
(no próximo post a quarta e ultima parte (ufa!) da história dos Filhos de Gandhy)
Fontes
http://pt.wikipedia.org/wiki/Filhos_de_Gandhy
http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u506039.shtml
http://www.filhosdegandhy.com.br/temadocarnaval2010.pdf
http://carnaval2006.terra.com.br/interna/0,,OI895467-EI6246,00.html
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